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ÁGUA

Depois de quase dois anos entre captação de imagens, edição, textos, pesquisas e viagens, o fotógrafo Érico Hiller lança em novembro “ÁGUA”, um manifesto contemporâneo que documenta a busca pela fonte primária de vida, escassa ainda em muitos locais. Mais do que um livro de fotografia, o projeto traz um longo ensaio sobre a água a partir da imersão do fotógrafo por 10 regiões ao redor do mundo. “Meu primeiro enfoque sempre foi o social, uma forma de entender como o homem se relaciona com o meio, e a partir dos registros, despertar no espectador consciências individuais que afetam o todo”, conta Hiller, que lançou em 2018 “A Marcha do Sal”, após refazer o caminho de Mahatma Gandhi na Índia, também pela Vento Leste.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a água suja é causa de 80% de todas as enfermidades e doenças do mundo. Morrem mais pessoas em decorrência de problemas relacionados à água suja do que somando as vítimas de todas as formas de violência e de doenças causadas por vírus. A constatação foi o ponto de partida para que o fotógrafo fizesse a mala e fosse em busca de registros que colocassem a questão em perspectiva real.  “Se uma pessoa passa por problemas com água no outro canto do planeta, por que devo me preocupar com isso? Essa pergunta me despertou para um compromisso pessoal de encontrar uma resposta satisfatória. Essa busca me acompanhou por muitos anos, até que, em 2018, entendi que havia chegado a hora de me dedicar ao que sempre esteve dentro e diante de mim. A tarefa de documentar o acesso desigual à água limpa me fez remontar a razão pela qual me tornei fotógrafo”, conta.

De 2018 a 2020, o fotógrafo testemunhou o caminho percorrido por famílias inteiras diariamente em busca de água, das crianças que têm a infância roubada, às mães que têm de escolher entre matar a própria sede ou alimentar seus filhos, passando por favelas, desertos, pequenas e grandes cidades nas regiões da: Índia, Jordânia, Palestina, Etiópia, Bangladesh, Quênia, Bolívia, Chile e Brasil.

No livro, Hiller conta sua experiência de forma direta e em primeira pessoa, narrando encontros e situando o leitor a cada circunstância. Nada rara é a presença das crianças nas fotografias. Em Abdullahpur, se enfileiram em um recinto de banho, que também serve para as necessidades e para beber água; em Kibera, maior favela do mundo, no Quênia, uma menina caminha descalça em uma das vielas com esgoto a céu aberto, e, outras, brincam, felizes e barulhentas, ao lado de montanhas de lixo em meio a um pântano de chorume. Na Etiópia, nos mais de 4 mil quilômetros percorridos, os números se confirmam sob seus olhos: mais de 93 milhões de pessoas não têm acesso a um banheiro decente, e 8,5 mil crianças abaixo de 5 anos morrem todos os anos por causa de diarreias ligadas ao consumo de água suja.

“O desperdício é a grande convulsão do nosso tempo. O paradoxo do excesso versus escassez deixa nossa reflexão turva. O progresso não é a resposta para todas as perguntas. O consumo não traz as coisas de que necessitamos. A humanidade pode ter chegado a um nível de evolução formidável, mas estamos crescendo impunemente, e nossos critérios de prosperidade estão alicerçados em ideias que apartam pessoas e destroem o planeta”, completa Hiller.

Ao todo, 170 fotografias são acompanhadas por textos informativos compondo um livro-manifesto, que deixa evidente uma realidade precária de desumanização pela falta, e propõe uma retomada urgente da discussão em busca de soluções. “Neste projeto, o fotógrafo coloca seu talento a serviço de um propósito maior, ele vive aquela realidade na pele, como testemunha ocular, e deixa para cada leitor argumentos para se tornar agente transformador, a partir de pautas urgentes como saneamento e cuidado ambiental”, diz a editora Mônica Schalka.